Cadernos de Guerra – 1944/45

 

“Não, em 2.300 homens não há 2.300 heróis. Há muito poucos heróis, e vi alguns; e o que mais me espanta neles é seu ar de homens comuns, e, mais do que o ar, é serem eles homens comuns. Numa hora em que os outros hesitam, ou se deixam tomar pelo furor das coisas, o herói resiste, e vai, e repete dentro e fora de si mesmo o gesto do homem comum, e insiste neste gesto com um surdo desespero. É um gesto de fraternidade com o destino mais duro e melhor, e ele existe dentro de qualquer um; o herói representa-o numa patética teimosia, ele é o homem comum que se desdobra em um friso de minutos, horas e dias que então ficam eternos. Ele dá o lance, e o agüenta para sempre.”

 

“Em alguns desenhos de Carlos Scliar eu revejo esse sentimento de tristeza monótona da guerra. Fértil em ligação humana, forjando dedicações que são mais ou menos que humanas, que remontam ao puro instinto animal, a guerra é também uma terrível professora de solidão.”

 

“Na manhã seguinte já se acendia o fogo da lareira; e aos poucos ia outra vez assumindo o governo de seu reino superpovoado, impondo a sua ordem austera sobre aquela extraordinária família. Quando as granadas rebentavam pelo quintal, ela não interrompia suas tarefas de dona de casa, como se toda a sua vida houvesse vivido entre explosões (…) E um dia, quando os homens partiam com sua tralha enorme, depois de ajudar, com ar severo, a faina da mudança, ela se recolhia a um canto – e chorava.”

 

“Dentro de sua vida que ora beirava a morte, ora mortificava de pequenos deveres e restrições, ora tinha o sabor violento de uma aventura, ora transfigurava seu destino humilde em instantes de poderio e fortuna, ora o reduzia a simples número de um pobre rebanho maltratado, eu vi mais de uma vez o pracinha triste. Então a saudade o agarrava com as unhas fundas; e era às vezes menos saudades da terra e da gente que de um ritmo perdido, embora um ritmo chato. (…) Forte coisa é a guerra, cuja rotina, em meio a todas as misérias, embala o homem.”