CARLOS SCLIAR, MEU MESTRE E GURU
“Conheci pessoalmente Scliar nos anos 80. Apesar de ser sua vizinha há muito tempo, nunca tive a coragem de bater à sua porta, dada a sua importância e seu prestígio como grande artista. Achava que iria tomar seu tempo ou incomodá-lo.
Comecei a pintar já com meus sessenta anos, autodidata, animada por amigos artistas daqui de Cabo Frio. Minha netinha Malú, pequena e corajosa, certo dia bateu à sua porta, pedindo que viesse até a minha casa para ver meus quadros. Ele, muito atencioso com a menina, disse que não saía, mas se eu quisesse, teria o prazer de me receber.
Fomos, Malú e eu, com alguns quadros debaixo dos braços e ele,depois de uma longa análise silenciosa, gostou, dizendo-me: ‘Não sei como você, sem nunca ter aprendido nada de composição ou harmonia de cores, se sai tão bem instintivamente.’ Disse-me ainda que, sempre que eu quisesse, poderia levar meus quadros para sua análise. Assim eu fazia e nunca ele me corrigiu em nada, dizendo sempre que eu continuasse e pintasse tudo o que visse na minha imaginação, sem preocupação de estilo.
Diante de tanta atenção e bondade, continuei pintando e levando para ele analisar. Adquiri a confiança que me faltava, diante da palavra do mestre. Nessa altura, já era grande a nossa amizade.
Incentivou-me para expor no Museu Nacional de Belas Artes, o que fiz por duas vezes.
Na minha segunda exposição, no ano passado (2000), ele já doente e chovendo muito, compareceu todo bonito, de terno e gravata, para ver meus trabalhos exibidos e me dar força e apoio. Fiquei muito comovida com este seu sacrifício.
Muito bom e generoso, colocou à minha disposição sua bela biblioteca de artistas famosos.
Gostava imensamente dele e sempre fui muito bem recebida em sua casa, onde conversávamos sobre tudo: de artes, de sua vida no Sul onde começou, da Segunda Guerra Mundial da qual participou, da sua família e principalmente da questão social do Brasil, o que muito o preocupava.
Para mim, ele era uma fonte de conhecimentos, onde eu bebia deliciada cada palavra que dizia.
Sua arte espalhada por todo o mundo levava junto a minha querida Cabo Frio, a cidade que ele tanto amou. Desejou que após o seu falecimento fosse fundado o ‘Instituto Cultural’ em sua casa e que suas cinzas fossem jogadas em nosso mar azul. Uma grande prova de incentivo cultural e amor à nossa cidade.
Um vazio me tomou a alma, sem ter o meu Guru e Mestre por perto para me aconselhar, mas meu coração continua cheio de amor e saudades pelo querido Scliar. Famoso,generoso, bondoso, foi um privilégio, honra e felicidade ter sido sua amiga.
Sinto apenas não ter tido a coragem de bater muito antes à sua porta, tão aberta quanto seu coração.”
Tiita
(Celita de Azevedo Machado)
Cabo Frio, 2001