“Só respeito pintor que saiba desenhar. Picasso e Matisse eram desenhistas geniais. Dos vivos, o inglês David Hockney, pintor da minha predileção, é um desenhista excepcional. Portinari desenhava paca, Sagall também.
Misturar cores para dar um efeito bonito é fácil, mas desenhar, eu diria, à maneira de Noel, é que é o X do problema.
Essa volta toda foi para falar do Scliar, que sabia tudo de pintura e foi embora no fim de abril.
E que desenhista de mão cheia! Os desenhos que fez na Itália, durante a guerra, são admiráveis.
Pra mim, foi a glória ser convidado por ele, em 1959, para assistente do Departamento de Arte da Revista Senhor. Os outros eram Glauco Rodrigues, grande pintor (e desenhista idem) e Bea Feitler, que foi para Nova Iorque e acabou sendo a incensada art director da Harper´s Bazaar.
O Pasquim que me desculpe, mas a Senhor foi a melhor publicação em que trabalhei. Publicou textos inéditos dos maiores escritores da época. O máximo foi A Morte e a Morte de Quincas Berro d´Água, de Jorge Amado, encomendado por Scliar. Implorei para ilustrar o texto, mas ele já tinha escolhido o Glauco. Enchi tanto o saco dele, que me deu um chega-pra-lá:
-Guri (ele chamava todo mundo de guri, até o Rubem Braga), o Glauco é mais indicado para fazer as ilustrações.
Aleguei que, se ele desenhava melhor, eu bebia mais, quase tanto quanto o Quincas Berro d´Água. Em vão.
Como diretor de arte, Scliar tirava água de pedra. Na gráfica que imprimia as Listas Telefônicas, ele fazia milagres; os caras que trabalhavam naquelas máquinas não acreditavam que elas pudessem fazer o que Scliar planejava – e realizava. E ficaram empolgados com os resultados obtidos.
Fez da Senhor a mais inovadora e bela revista da época. Com seu poder suave, tinha o dom de transformar tudo que tocava numa coisa de beleza.”
(Jaguar, crônica “Carlos Scliar”, publicado no jornal “O Dia”, em 16/05/2001)