Carlos Scliar e Edino Krieger no Museu da Imagem e do Som, por ocasião da impressão das mãos dos artistas em cimento para Muro da Fama.
“De passagem por Porto Alegre em maio de 1953, a caminho do Congresso Continental de Cultura de Santiago do Chile, procurei Carlos Scliar, por sugestão de Jorge Amado.
Scliar era para mim, já então, um nome familiar e próximo, pela amizade que me ligava com Esther Scliar, sua prima, colega querida e grande figura da vida musical do Rio, e com quem convivi desde 1948, quando ela aqui chegou de Porto Alegre e se integrou ao círculo de discípulos de Koellreutter. É possível que a amizade de Esther e a mão de Jorge Amado tenham dado sua contribuição, mas o fato é que desde o primeiro contato com Scliar uma forte corrente de identificação e de afetividade nos uniu de maneira sólida e especial. Uma amizade que não exige uma convivência continuada, mas que se nutre de alguma essência secreta que a realimenta e consolida por sobre os hiatos da ausência e a descontinuidade da distância.
Desde o primeiro encontro em Porto Alegre, me dei conta de estar diante de um combatente vocacional – não apenas o pracinha da FEB capaz de produzir belezas com lápis e papel, em pleno horror do “front”, mas o artista militante, engajado sempre na boa luta pelos ideais maiores da humanidade, sempre atento à realidade à sua volta e sempre fiel ao sonho de torná-la melhor.
Já então a essência de sua natureza de artista e de ser humano se mostrava por inteiro, em seu fecundo trabalho junto ao Clube de Gravura de Porto Alegre, certamente um dos movimentos mais importantes das artes plásticas e gráficas em nosso pós-guerra.
Em época mais recente, tive oportunidade de uma convivência mais continuada com Scliar, no Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro. Ali, sua voz firme se fazia ouvir, em cada sessão, na defesa de projetos e ideias relevantes não apenas de sua área de atuação profissional, mas também nos campos dos direitos humanos, da preservação da nossa memória cultural, na defesa intransigente de nosso patrimônio ecológico e arqueológico.
Admirável, em Scliar, é a perfeita harmonia entre o artista, o ser humano e o ativista político. Pode-se dizer que sua obra criadora é uma síntese de seu universo, de sua integração total homem/artista/pensamento. Uma síntese potencializada por um componente essencial de seu comportamento e de sua produção: a qualidade. Um padrão de excelência alcançado pelo artista através do domínio invejável de todas as técnicas, enriquecidas por sua vez por um ideário temático dos mais abrangentes, que vai da produção vigorosa de realidades dramáticas, em suas gravuras expressivas, até as belíssimas colagens cubistas de partituras musicais, minha, de Carlos Gomes, Cláudio Santoro e outros compositores brasileiros. Em suas mãos privilegiadas, esses registros gráficos originais adquirem surpreendente valor visual, numa releitura quase mágica de sua potencialidade sonora.
Em resumo, saúdo em Scliar o grande artista, o grande ser humano e, por sorte, meu também grande amigo.”
Edino Krieger (2000)