Athos Bulcão

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“Conheci Scliar no Rio, em 1941, numa livraria da Avenida Rio Branco. Eu estava folheando um livro sobre Rouault e percebi que havia alguém ao meu lado interessado no assunto. Convidei-o a olharmos juntos as reproduções.

 

Scliar perguntou se eu pintava e qual o meu interesse por Rouault. Contei-lhe que gostava muito de pintura (e de Rouault) e que, havendo abandonado o curso de medicina dois anos antes, estava iniciando em artes plásticas como autodidata. Esclareci que acabava de sair de uma exposição no Palace Hotel, o Salão Paulista de 1941, onde um quadro com o título me despertara especial atenção. E o dia nascerá de novo? Scliar revelou-me ser o seu autor. Externei-lhe minha admiração e penso que naquele instante selamos um pacto  amizade. Pelas mãos de meu novo amigo conheci Jorge Amado, que nesta época morava na Urca e tinha o hábito de receber os amigos aos domingos. Lembro-me de Scliar sentado no chão fazendo o retrato de Jorge, em têmpera a ovo sobre papel, um belo trabalho, muito fiel ao retratado.

 

Frequentávamos também a casa de Joaquim Tenreiro, na Glória, onde conheci Pancetti e Milton Dacosta.

 

Em 1941 chegaram ao Rio, refugiados da guerra, Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes. (…) Em torno deles, formou-se um núcleo de artistas jovens onde Scliar e eu éramos dos mais assíduos ao lado de Ruben Navarra, Eros Martins  Gonçalves e Djanira. Scliar foi vizinho de Maria Helena e Arpad, e com eles seguiu para a Europa, em 1946.

 

Bolsista do Governo francês, fui residir em Paris de 1948 a 1949. Éramos vizinhos e íamos juntos visitar Maria Helena e Arpad.

 

Scliar organizou um álbum de litografias que chamou 10 Artistes de l´Amérique Latine no qual me incluiu, representando o Brasil. Gesto nobre e generoso que bem define a alma grande que possui (os artistas, sabe-se bem, são ciumentos!).

 

Voltando da Europa, onde ficou quase quatro anos, Scliar foi para Porto Alegre, onde organizou o Clube de Gravura, com artistas filiados à corrente do realismo social. Os gravadores passaram a vender seus trabalhos diretamente ao público, literalmente, em praça pública, uma inovação importante para a divulgação do produto artístico. Desse grupo fez parte Glênio Bianchetti, velho amigo e companheiro da Universidade de Brasília.

 

A extensa obra de Scliar é um raro exemplo de dedicação e tenacidade. É sempre oportuno louvar a firmeza de caráter, a coerência com que conduziu pela vida afora sua posição política, pautada na luta pela defesa dos oprimidos.

 

E viva Scliar!”

 

(Athos Bulcão, 1990)