Jaques Van de Beuque, fundador do Museu do Pontal, Maria Luiza Leão ao lado de Carlos Scliar e Vera Alencar, diretora do Museu – Chácara do Céu, 13 de junho de 1997
“Meu primeiro contato com a obra de Carlos Scliar deu-se na Galeria Tenreiro, ainda localizada na rua Barata Ribeiro. Gostei imensamente do que vi. Pouco depois Scliar visitou uma coletiva na Galeria OCA, da qual eu fazia parte. Isto se deu em 1961, mas nossa amizade só se estreitou em 1967, quando, graças ao apoio de Scliar, fui aceita entre aqueles que organizavam a Associação Brasileira de Artistas Plásticos.
A partir daí passei a frequentar sua casa e a admirá-lo, não só como artista, mas também como um trabalhador infatigável, um caráter íntegro e um amigo de generosidade inigualável. Ele sentia uma sincera alegria em acompanhar o progresso de colegas bem sucedidos e em incentivar a carreira de iniciantes como eu era então. Explicava sua técnica sem guardar segredos, abria as portas tanto de galerias quanto de colecionadores, infundia entusiasmo pelo trabalho, encorajava a originalidade, reforçava a autoestima e, se podia, adquiria uma obra em sinal de confiança.
Quando percebia que seus amigos estavam sendo prejudicados, Scliar os defendia como se defendesse a si próprio. Em contrapartida, esperava deles lealdade e cooperação nas boas campanhas em que se engajava, tais como as desenvolvidas em prol de Ouro Preto, de Cabo Frio, do Parque Lage. Não suportava a ingratidão, a mentira, o egoísmo, a preguiça, a covardia.
Scliar era um racional que não impedia que seu lirismo aflorasse. Mantinha uma disciplina rígida, uma organização metódica, mas era com paixão que lutava por seus princípios.
Alguns o criticavam por acharem sua produção excessiva. Não compreendiam que Scliar “pensava, fazendo”. Ele não era um teórico. O próprio mecanismo da técnica que desenvolvera exigia rapidez. A insatisfação, os impasses, as tentativas e as soluções iam surgindo em suas telas enquanto ele não parava de pintar.
Admiro em sua obra o apuro artesanal, o equilíbrio das composições, a mestria no uso dos recursos gráficos, da textura e da cor, a profunda compreensão do modelo observado, a ousadia das simplificações e a grande liberdade que se evidencia na execução. Foi necessário que o senso poético do artista se apoiasse em conhecimento, experiência e obstinação a fim de que uma árvore, um barco, uma casa, um lampião ou um vaso de flores “falassem” com a voz de Carlos Scliar, ou seja: a fim de que a natureza se transformasse em arte.
É bom ter Scliar presente em seus quadros. É muito triste já não poder conversar com ele, seguir sua liderança e acompanhar o fascinante desenrolar de sua criação.”
Maria Luiza Leão
13-02-02